domingo, 15 de dezembro de 2013

A última entrevista do Cardeal Suenens

Artigo de D. TEODORO DE FARIA     in  Pedras Vivas

PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA |  | POR JM

A 8 de maio de 1996, vítima de trombose, Deus chamou à sua presença o Cardeal Leo Joseph Suenens. Até ao fim da sua vida, apesar de Emérito ele considerou-se «bispo ativo».
Em 1987, após 20 anos do aniversário da aprovação do Renovamento, colocaram-lhe diversas perguntas sobre o Movimento iniciado nos Estados Unidos nos ambientes católicos e divulgado por ele na Europa. Foi o Renovamento, de facto, um Novo Pentecostes?
A sua resposta mostra que nem tudo decorrera sem queixas nem interrogações. Da parte de Deus, disse, tratou-se de uma graça, e sobre isso não há interrogações a fazer, quanto ao acolhimento dos cristãos, há lugar para falar de mais ou de menos; quanto à graça «oferecida» por Deus foi novo Pentecostes, quanto à graça «recebida» e aceite, foi sim e não.
O «Renovamento pentecostal», como gostava de chamar, de preferência a carismático, visto toda a Igreja ser carismática, foi uma ação do Espírito Santo no coração da Igreja. Nós não terminamos de descobrir o Espírito Santo na teologia, na espiritualidade e na pastoral, precisamos de progressos para o colocar no coração da nova evangelização.
A encíclica «Dominum et vivificante (Senhor que dá a vida) de João Paulo II, é um convite para acentuar esta função. O Espírito Santo não é monopólio de ninguém, nem de nenhum movimento, temos de alegrarmo-nos com a renovação da oração sob diferentes formas, como a Comunitária, deixada à espontaneidade e liberdade do Espírito Santo. Não é preciso exagerar nas palavras, pois a oração precisa de momentos de silêncio, é uma questão de equilíbrio e de bom senso, sem esquecer que somos mais tentados pela letargia do que pela exuberância. De facto, as nossas liturgias sofrem ainda, e talvez mais do que no passado, de serem formalistas ou mal preparadas.
Interrogado sobre a «oração em línguas», o cardeal recusa a interpretação dada pelos pentecostais de que se trata de línguas estrangeiras, não é um dom de línguas desconhecidas, mas uma graça para orar num estilo não formulado, ou seja, não construído. Lamentava-se de ter escrito sobre o assunto mas não ter evitado a ambiguidade. O cardeal não era, portanto, um admirador de ruídos sem sentido.
Revoltava-se também com as leituras fundamentalistas da Bíblia que ignoravam os géneros literários, neste campo, é preciso ser guiado sempre pela Igreja, para evitar tanto o literalismo como o mitologismo.
Quanto ao estilo de nas reuniões se usarem expressões como: «Deus disse-me», «escutai-me meus filhos», ou então «Tentem anunciar o futuro», é preciso ter em conta, diz Suenens, que o Concílio Vaticano II chama aos cristãos um «povo profético», ou seja, portador da Palavra de Deus. Aconselha a evitar sempre o género apocalíptico, mas é natural dizer uma palavra ou um texto que mais impressionou o fiel durante a oração. Mas, atenção, ninguém tem um fio direto para comunicar com o Espírito Santo, quando quer ou entende invoca-lo. Quanto à atitude do Renovamento parecer marginal em relação às paróquias, o Cardeal diz que a responsabilidade é dupla, mas que se tenda para uma maior integração, muito depende das pessoas e dos padres encarregados das comunidades. Se o padre fez a experiência «pentecostal» do batismo no Espírito Santo, há probabilidades de «semear a compreensão mútua”.
Em relação ao “baptismo no Espírito», o cardeal nega que seja um «super-batismo», mas a experiência de uma graça recebida nos sacramentos do batismo e da confirmação. É necessário reencontrar o Senhor numa experiência de vida, sem a qual os grupos de oração não teriam profundidade vital.
Quanto às «reuniões de curas», Suenens deseja que haja mais discreção e que se dê tempo para se confirmar a cura. Nos processos romanos de beatificação, é necessário que a cura se verifique até 10 anos após o facto. A Redenção é um mistério da cura do homem na sua profundidade interior, a eucaristia é penhor de cura para a alma e o corpo. O cardeal está de acordo com a atitude negativa de Roma, em relação «ao repouso no espírito», quando apresentada como ação direta do Espírito Santo, assim como a respeito dos «exorcismos selvagens». É preciso saber rezar o Pai Nosso e confiar na petição do Senhor para nos «livrar do mal»». Excetuam-se os casos extremos de exorcismos, permitidos pelo bispo.
Quanto ao ecumenismo, o Cardeal, é de opinião que é preciso partir para a união das Igrejas e não dos cristãos, começando por unir as Igrejas que guardaram as tradições apostólicas, como as ortodoxas, anglicanas, luteranas, ou seja todas as “Igrejas santas».
Pede também para não se falar do Renovamento como de um movimento ao lado dos outros movimentos, mas de uma «moção» ou «sopro do Espírito Santo». O principal está em descobrir o segredo do Pentecostes “ad intra,”no mistério de conversão interior e pessoal, e “ad extra,” no apostolado.
Faz votos para que o renovamento seja como um rio de água viva, correndo para o mar, para que o Espírito de Deus se torne vida de todos, e «renove a face da terra».

O Renovamento na diocese do Funchal

Após uma pequena experiência titubeante do renovamento numa paróquia da Madeira, considerando os sinais dos tempos, julguei ser chegado o momento de aprovar o Renovamento na Diocese, numa época em que uma seita de origem brasileira, tentava expandir-se na diocese, apresentando remédios para todos os males e, quando havia fé, demonstrada nas grandes ofertas materiais, até realizava milagres.
Convidei o Sr. Cón. Tomé Velosa, sacerdote formado nos métodos da Ação Católica e encarregado da direção do Jornal da Madeira, missão que cumpriu com arte e sabedoria, a conhecer o Renovamento na Europa, estava convicto que a forma como era vivido na América Latina não responderia à nossa situação.
Acompanhado pelo diácono José Fernandes Carreira, o Cón.Tomé Velosa dirigiu-se para a América central, para um retiro e atividades do Renovamento que influenciaria fortemente o Renovamento na Diocese.
O trabalho do Cón. Velosa como diretor, foi louvável, mas não conseguiu evitar desde o princípio que surgissem diversos grupos que dividiram e enfraqueceram o Renovamento.
Pensámos possuir uma casa de formação para o Renovamento no Funchal, mas só foi encontrada uma em São Roque. Foi comprada, devido a uma generosa oferta particular, com alguns ofertórios da Igreja do Colégio, para servir a todos os grupos na formação e oração. Dentro de pouco tempo a casa foi apresentada como pertença de um pequeno grupo, sendo desviada da sua finalidade original, o que muito me entristeceu.
Apesar de todos os ventos e marés o Renovamento continuou vivo e ativo, embora ligado por um cordão umbilical à tradição da América Latina. Ajudou muitos cristãos em tempos difíceis a conservar acesa a luz da fé. Foi um dom de Deus apesar das tensões e divergências que criou e não soube curá-las.
Desde os primórdios da criação, o Espírito de Deus renova a face da terra, apesar dos condicionamentos dos homens e dos espíritos do mal. Como Espírito criador e vivificador, Ele «semeia a todos os ventos» da história humana e da salvação.

Teodoro de Faria, Bispo Emérito do Funchal
Funchal, 15 de Dezembro de 2013

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