segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Movimento Carismático e documento de Malines

Artigo de D. TEODORO DE FARIA     in  Pedras Vivas

O Cardeal Leo Mercier, como o seu temperamento indica de «leão», não repousava sem que o Renovamento Carismático fosse reconhecido de pleno direito pelo Chefe da Igreja, sem o constranger, iluminado pelo Espírito Santo. O Cardeal constituiu um grupo internacional, mas segundo uma decisão tomada em Grottaferrata, na Itália, para acreditar o Movimento, devido em parte a uma oposição nascida nos Estados Unidos e, outra mais difícil ainda, na Cúria romana.
Reuniu uma Comissão teológica e pastoral na sua diocese, donde sairia o «Documento de Malines», formado por pessoas provenientes dos E.U.A., Chile, França, Alemanha, México, e enviou o documento para ser consultado pelos grandes teólogos da época, Congar, Ratzinger, Rahner e Küng. A função do Cardeal Suenens era presidir às reuniões e discussões. Enviou o texto a Paulo VI, o Papa recebeu com muto agrado o Documento escrevendo: «É exatamente o género de atualização que pensamos; continuar a fornecer-nos exposições deste género ao serviço do Renovamento».
Seguiram-se outros seis documentos, o último dos quais o «Repouso no Espírito», que pedia para não se considerar este fenómeno como um novo carisma e aconselhando a ser prudente. Estes documentos tinham a finalidade de regular a atividade vital do Renovamento, mas separando o trigo do joio, missão que deve acompanhar a renovação ao longo dos anos.
O Cardeal sofria com tantas ambiguidades que surgiam e haviam de continuar a aparecer na história do Renovamento, e que exige sempre gente de mente aberta, mas segura e não doentia. O cardeal continuava a informar Paulo VI do que se passava no Renovamento, principalmente nos Estados Unidos.

Um Novo Pentecostes?

Suenens escreveu um novo livro, «Teologia do Apostolado da Legião de Maria», para que fosse conhecida a ação do Espírito Santo em nosso tempo.
O teólogo, meu professor em Roma, René Laurentin, fez crítica ao livro e escreveu: «O autor quer mostrar como o sopro do Espírito realiza e propõe hoje em grandes situações, a «democracia da santidade». O Concílio, de facto, não tinha introduzido a democratização na Igreja, mas antes a democratização da santidade, fruto da graça do batismo. Era perigoso reduzir o Renovamento a um movimento como os outros na Igreja; o Espírito Santo é necessário para renovar todos os movimentos. O cardeal Suenens reconheceu a natureza carismática de toda a Igreja, o que tinha já afirmado na aula conciliar, e Paulo VI tinha sublinhado tantas vezes. Todos os dons do Espírito de Deus têm por finalidade edificar o Reino de Deus; mas nada impede de discernir uma presença privilegiada onde e quando ela se manifesta.
Presença e discernimento, significa cristo centrismo na vida cristã; profundidade na vida de oração, tanto pessoal como comunitária; amor renovado à Sagrada Escritura; sentido da Igreja. Para o Cardeal Suenens, o Renovamento não é um movimento a juntar aos outros, mas «uma corrente de graça que passa e leva a uma mais alta tensão, consciente da dimensão carismática inerente à Igreja». Dois polos animam toda a vida eclesial do Cardeal Suenens, o ecumenismo e o sentido do mistério de Maria, mãe de Jesus.
Durante o Sínodo de 1974, o Papa Paulo VI ao sentar-se na sala para a audiência pública aos peregrinos, falou da importância dos carismas em nosso tempo. Depois, toma um livro, apresentou-o à assembleia dos fiéis e disse. Faço alusão a um livro recente escrito pelo Cardeal Suenens intitulado «um novo Pentecostes?» O Cardeal descreve e justifica esta espera do Renovamento. A efusão abundante de graças sobrenaturais, que se chamam carismas, pode verdadeiramente marcar uma hora providencial na história da Igreja».
Uma dirigente americana do Renovamento, Verónica O’Brien, propõe aos dirigentes do renovamento para delegarem alguns membros para virem a Roma e viverem o Sínodo com os bispos, em comunhão de oração com eles e por eles. Vinte membros de diversas partes do mundo chegaram a Roma. Traziam como programa celebrar a Eucaristia em comum; reuniões de oração; contactos múltiplos com os bispos do Sínodo; e, um encontro de oração e informação com os cardeais, bispos, e personalidades de passagem por Roma. As reuniões realizaram-se na Cúria dos Jesuítas, onde vivia o humilde e dinâmico Pe. Arrupe. Paulo VI agradeceu a iniciativa aos membros do renovamento e envio-lhes uma recordação. A tradição destes encontros continuou nos sínodos seguintes.
No Ano Santo de 1975, Roma foi escolhida para o Congresso marial e mariológico. Dez mil peregrinos do Renovamento deslocaram-se a Roma pelo Pentecostes.
O presidente do Congresso foi o Cardeal Suenens, o Papa veio assistir ao Congresso e L’Osservatore Romano publicou um documento importante sobre a missão de Maria no mistério da salvação. Para o renovamento, o Pentecostes de 1975 foi uma data histórica, ele foi recebido oficialmente na Igreja de Jesus Cristo.
Na segunda feira de Pentecostes, o Cardeal Suenens celebrou a Eucaristia no altar papal da confissão de São Pedro, rodeado de uma dezena de bispos, 800 padres, 10.000 peregrinos do Renovamento e 5.000 de passagem.
Paulo VI realizaria uma audiência memorável, com um discurso em francês, inglês, espanhol e italiano, deu as boas vindas, acolheu a Igreja do Renovamento, apresentou-lhes as diretrizes de discernimento como São Paulo fizera aos Coríntios.
O texto papal constitui o documento base do Renovamento Carismático. Junto do altar o Papa abraçou o Cardeal Suenens dizendo-lhe: «Eu vos agradeço, não em meu nome, mas em nome do Senhor, por tudo aquilo que fez e fará para conduzir o renovamento Carismático no coração da Igreja».
O Cardeal agradeceu ao Papa enviando-lhe uma carta. Para além do agradecimento, o cardeal referia o encontro da segunda-feira de Pentecostes num hotel de Roma com uma dúzia de líderes protestantes que seguiam para Veneza para continuar o diálogo ecuménico com os membros do Secretariado para a Unidade da Igreja. Um deles exprimiu a alegria e emoção de todos, dizendo: «João XXIII abriu uma janela, Paulo VI acaba de abrir uma porta». O Cardeal terminava a carta, dizendo ao Papa «o muito obrigado pela Exortação Apostólica sobre a alegria no Espírito Santo, nós guardaremos preciosamente o eco nos nossos corações».
Neste ano estava em Roma, no Colégio Pontifício Português, acompanhei os acontecimentos do Ano Santo e a aprovação por Paulo VI do Renovamento Carismático, não imaginava, porém, que um dia, Bispo na diocese do Funchal, aprovaria o Renovamento Carismático, segundo as diretrizes do Santo Padre, e não de modas e divisões de grupos alheios à ação do Espírito Santo.

Funchal, 8 de dezembro de 2013
† Teodoro, Bispo Emérito do Funchal

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